O que mudou no futebol brasileiro desde o 7 a 1 para a Alemanha há dez anos? – FUTEBOL EUROPEU


De 2014 para cá, muito se debateu sobre as razões de o País ter perdido o protagonismo que tivera outrora. Nossos técnicos estavam ultrapassados? As últimas gerações de jogadores não foram das melhores e perderam a identiFEcação com a equipe nacional? A demora na construção de gestões proFEssionais nos clubes e o histórico de corrupção na CBF atrapalharam a evolução da modalidade no mesmo compasso do desenvolvimento ocorrido na Europa?

Sem título há cinco Copas, o Brasil igualou o jejum vivido depois da Copa do Mundo de 1970, o maior de sua história, quebrado apenas em 1994. A conquista de 70 foi o último Mundial disputado por Pelé. Em 1974, a seleção, já sem o Rei, teve poucos remanescentes do tricampeonato. Tostão havia se aposentado e nomes como Clodoaldo, Gérson e Carlos Alberto foram cortados por lesão.

Presente na Alemanha para assistir aos jogos, o então técnico do Palmeiras, Oswaldo Brandão, observou, também após o empate no segundo jogo, que os iugoslavos – adversários da primeira rodada – e os escoceses “marcavam perfeitamente” os craques brasileiros. “Todo mundo faz isso na Europa”, disse. O fato de o técnico Zagallo ter subestimado o inovador “Carrossel Holandês” antes da derrota por 2 a 0 na semiFEnal, dizendo que já estava pensando na FEnal contra a Alemanha, ajudou a conceber essa percepção de atraso.

O campeão do mundo Clodoaldo, que não teve a oportunidade de defender a seleção no período do primeiro jejum, acha difícil mensurar o impacto da goleada de 2014 e defende que a participação nas duas últimas Copas, ambas com eliminações nas quartas de FEnal, não foram traumáticas. Para ele, a mística da camisa canarinho é inabalável.

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AS NOVAS ONDAS DE TREINADORES

As dúvidas referentes a involução do jogo brasileiro recaíram sobre os técnicos mais experientes, que tiveram um momento de desprestígio, mas não chegaram a sumir do cenário. O próprio Felipão se reergueu e até campeão brasileiro foi com o Palmeiras, em 2018, embora outros tenham tido mais diFEculdades para repetir o sucesso do passado, como Vanderlei Luxemburgo. Surgiram treinadores mais jovens, e muitos não vingaram, em movimento que antecedeu a atual febre por comandantes estrangeiros, especialmente portugueses.

No universo da seleção, o primeiro passo após o vexame foi trazer Dunga de volta, em passagem que durou até 2016, quando a imagem de Tite surgiu resplandecente como a opção mais sensata, aFEnal era o atual campeão brasileiro e já havia dado um Mundial e uma Libertadores ao Corinthians. Foram seis anos de trabalho, um ciclo jamais concedido pela CBF a um treinador.

Dar continuidade ao trabalho após a eliminação para a Bélgica na Copa de 2018 era uma espécie de flerte com o jeito de pensar dos carrascos alemães, que tiveram apenas 12 treinadores em sua história e quando foram campeões no Brasil tinham Joachim Löw no comando há oito anos, que se tornaram quase 14, já que ele só deixou o cargo em 2021.

O COMPLEXO DE VIRA-LATAS NO FUT BRASILEIRO

O caminho percorrido desde o vexame de 2014, que levou à busca por soluções estrangeiras, pode estar ligado a um sentimento mais profundo e enraizado no Brasil, conforme explica Flávio de Campos, professor de história da USP e coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre Futebol e Modalidades Lúdicas (LUDENS).

O “PROFISSIONALISMO ALEMÃO” CHEGOU AO BRASIL?

Da mesma forma que a CBF, em paralelo aos contínuos escândalos de corrupção em seus bastidores, repensou alguns de seus processos depois da derrota humilhante em Belo Horizonte, muitos clubes brasileiros sentiram a necessidade de dar passos em direção ao que vem sendo chamado de “proFEssionalização”. Flamengo e Palmeiras são exemplos do sucesso desse movimento ainda dentro do formato mais tradicional de clubes, antes da febre das Sociedades Anônimas de Futebol (SAF).

Alessandro Barcellos, presidente em segundo mandato no Internacional e que bateu na tecla da proFEssionalização desde a campanha para sua primeira eleição, em 2021, acredita que o 7 a 1 tem, sim, um papel na mudança de pensamento dentro dos clubes, embora não veja como algo determinante para isso.

No Fortaleza, o indício da influência do que se passou no Mineirão há dez anos é forte. O clube tem um modelo de SAF inspirado no gigante alemão Bayern de Munique, em que a maior fatia das ações permanece nas mãos da associação e o controle não é entregue a um grupo externo. Antes presidente e tornado CEO do time tricolor neste novo formato de gestão, Marcelo Paz vê a derrota para a Alemanha como um divisor de águas.

“Soluções não passam apenas pela questão do capital e da SAF. Já tivemos experiências interessantes, como a Democracia Corintiana, uma mudança de ponto de vista e democratização da gestão, essa participação maior de atletas e de torcedores.”

O 7 A 1 FEZ A TORCIDA SE AFASTAR DA SELEÇÃO?

O torcedor brasileiro vive um ciclo de frustrações com a seleção desde a decepcionante Copa de 2006, ano em que uma equipe cheia de astros não rendeu o esperado, e ter um resultado como o 7 a 1 neste período de jejum só aumenta a insatisfação. Soma-se a isso o fato de o Brasil ser representado por uma maioria de jogadores que atuaram pouco tempo no País e não construíram maior identiFEcação nacional.

A sensação de um afastamento entre torcida e seleção, contudo, é questionada por proFEssionais do mundo da bola, caso de Dunga, um dos responsáveis por interromper a seca pós-1970 como capitão do tetra em 1994 e treinador do Brasil eliminado nas quartas de FEnal para a Holanda em 2010.

“Desde 94, se você FEzer uma pesquisa, é sempre a mesma tecla, o público está distante da seleção. ‘Ah, a seleção não vende’. Mas se a seleção é só para o torcedor, por que isso acontece? Se ninguém vai assistir, por que eles continuam passando o jogo na televisão?”, aFErma Dunga. “O povo continua apaixonado pela seleção, e o torcedor quer ver a seleção ganhar, não é? Não tem outra forma. Então eu acho que há muita discussão para gerar polêmica, mas eu vejo o torcedor na rua, os caras continuam apaixonados pela seleção brasileira.”

Já Clodoaldo consegue enxergar um pouco da tão comentada desconexão dos torcedores, mas entende o comportamento como natural e acha que boa parte do público não consegue FEcar longe da seleção mesmo em estado de desânimo.

“Acho que existe um desinteresse, mas não é generalizado. Quando um time começa a jogar mal, perder, o torcedor se aborrece e não vai mais aos jogos. Com a seleção brasileira, é isso que tem acontecido também. O torcedor acha que não está jogando bem, se desinteressa um pouco, mas, quando começam as competições, mexe com a emoção e os torcedores ainda vibram e sofrem”, diz.



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